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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Dead Can Dance – a noite do encontro






















Finalmente, a noite do encontro
Sentia-se no ar a ansiedade do que estava para vir. Vivia-se o prazer do ante-gozo da consumação de uma longa espera. Todas as pessoas que acorreram à Casa da Música na cidade do Porto, na passada quarta-feira, sabiam que – acontecesse o que acontecesse – aquela noite não seria como as outras. Na verdade, como nenhuma outra antes.


Para quem foi acompanhando os vídeos e as imagens publicadas na actual digressão dos Dead Can Dance, iniciada em Agosto passado, as surpresas não poderiam ser muitas e já sabia o que esperar.
A expectativa era no entanto muito grande, não propriamente pela performance inovadora em si, mas em ver e ouvir como seria realmente ao vivo, sem filtros, sem ecrãs, sem outras imagens e outros sons que não as captadas pelos nossos próprios olhos e ouvidos. Como soaria aquilo tudo em palco, naquele cenário multicolor e poliglótico. Que sons transbordariam dos instrumentos exóticos que acompanham aquela esotérica banda desde sempre.
Até a indumentária de Lisa Gerrard – longos vestidos (negro, castanho, azul escuro ou azul claro) com uma gola baixa dourada, de pontas caídas quase até ao chão – foi a utilizada aqui. No concerto em Portugal calhou ser o vestido de veludo azul claro, produzindo uma grande presença. Uma escultural diva em palco.
Do alinhamento musical não surgiram novidades. Esteve de acordo com tudo o que tem sido realizado pela banda desde o passado dia 9 de Agosto, data em que a actual digressão mundial principiou no Canadá, poucos dias antes de «Anastasis» ser oficialmente publicado.
Para além do desfile integral dos novos oito temas do álbum «Anastasis», não faltaram incursões ao imenso espólio da dupla de compositores Gerrard/Perry.
Seria talvez evitável a interpretação de temas que não são dos Dead Can Dance. Lisa interpretou “Now We Are Free” da banda sonora que assinou (juntamente com Hans Zimmer) do filme «The Gladiator» e Brendan interpretou o clássico “Song To The Siren”, de Tim Buckley, à semelhança do que já havia feito em actuações a solo.
Não está em causa a qualidade dos temas, nem dos autores, nem as respectivas interpretações (apesar de, dêem-se as voltas que se derem, nunca ter aparecido até à data uma interpretação de “Song To The Siren” que superasse a da ex-vocalista dos Cocteau Twins, Elizabeth Fraser, em 1983/1984, no projecto multi-colectivo This Mortal Coil, do qual os Dead Can Dance fizeram igualmente parte). Simplesmente roubaram espaço a temas que poderiam vir do reportório dos próprios Dead Can Dance. Teria certamente sabido melhor ouvir-se temas como “Cantara” ou “Severance”, para só evocar dois exemplos.
Excepção feita às duas canções tradicionais grega “Ime Prezakias” e árabe “Lamma Bada” vocalizadas magistralmente por Brendan Perry, apresentando-as e contextualizando-as previamente. Sobre “Ime Prezakias” Brendan explicou tratar-se de um velho tema grego (dos anos 30 do século passado) cujo título em inglês seria traduzível para algo como I’m a junkie (sou um vagabundo), acrescentando ainda que, ironicamente nos dias que correm, ganha um outro sentido, aludindo à actualidade grega em tom de crítica política: seems the actual Greece loose a leg in the game of dice.
Sobre “Lamma Bada”, Perry disse tratar-se de uma antiquíssima canção árabe, escrita em árabe antigo, há cerca de oitocentos anos, no período em que a cultura árabe ocupava o território da actual região espanhola da Andaluzia.
















We are ancient
As ancient as the sun
We came from the ocean
Once our ancestral home


O Palco das delícias
Exactamente duas horas de actuação. Início às 22:03 e final, após três encores, à meia-noite e três minutos.
Um total de sete músicos em palco, sendo que a maioria do tempo foi ocupado com seis, já contando com a dupla de autores. A saber: Jules Maxwell (teclista/corista) que já tinha participado na digressão de Brendan Perry em 2010; David Kuckermann (percussionista/teclista) a quem a primeira parte estava entregue mas que foi cancelada poucos dias antes; Dan Gresson (percussionista); Astrid Williamson (teclista/corista) que fez parte da segunda parte da digressão de Brendan Perry em 2010 e ainda Richard Yale (baixista/teclista) que apareceu em menos de metade do alinhamento do concerto.
O jogo de percussão foi sempre muito forte no som dos Dead Can Dance e esse facto é notório em palco, com um recurso quase permanente a poderosos ritmos tribais.
Os sons provenientes, na sua origem, de instrumentos clássicos são reflectidos através de sintetizadores. Há quem critique esta opção por parte do grupo, mas o contrário seria muito complicado a nível logístico, para além de ser incomportável a nível financeiro remunerar cerca de 40 ou 50 pessoas em palco numa tão longa digressão.
A própria experiência dos Dead Can Dance no passado o demonstrou, nas digressões de 1985/86 e 1987 em que estiveram presentes nos concertos todos os músicos necessários para reproduzir fielmente o som obtido nos álbuns «Spleen And Ideal» e «Whitin The Realm of a Dying Sun». Para o público foram momentos inesquecíveis, mas para a banda não resultou nenhum lucro pecuniário. Mais tarde Brendan justificou essa opção assumida em não ganhar financeiramente em detrimento de poder mostrar às pessoas o verdadeiro som da banda que fundou.
Na digressão de 2005 houve uma curta série de espectáculos ao vivo com a presença de uma orquestra, dirigida por Jeff Rona, mas foram actuações especiais.
Actualmente Brendan leva consigo para palco uma Bouzouki grega, uma espécie de Balalaica helénica. Também toca uma aproximação a um Obukano arabesco (electrificado), para além de tocar tambor na interpretação dos temas “Nierika” e “Opium”. O timoneiro em palco.
Em frente a Lisa Gerrard está colocado, como de costume, um Yangqin (instrumento milenar chinês, originalmente proveniente da antiga Pérsia) – nesta digressão são dois –, ou usando outro termo menos técnico, uma mesa chinesa. É o instrumento clássico por definição do som original dos Dead Can Dance, tocado por Lisa. Brendan só se ocupa dele para libertar a cantora de dotes líricos na interpretação do tema “Dreams Made Flesh”.
O primeiro tema a ser gravado e editado pelos Dead Can Dance, “Frontier”, teve como base estrutural a combinação do som deste vetusto instrumento com a voz de mármore, cristal e safira de Lisa Gerrard. Só por uma ocasião se viu neste concerto no Porto Lisa Gerrard tocar Yangqin e cantar em simultâneo, no tema “Agape”.
Brendan adensou ao longo dos anos o seu tom barítono médio/grave, situando-se num registo vocal crooner, com um timbre entre Frank Sinatra e Lee Hazlewood, ou como analisou recentemente um jornalista da revista ‘Uncut’, possuidor de um lirismo dramático entre Scott Walker e Jim Morrison.
Lisa e Brendan contrastam vocalmente de uma maneira altamente complementar. Grandes vozes! Quando soam juntas parecem beijar a eternidade.
















Saw the demonstration
On remembrance day
Lest we forget the lesson
Enshrined in funeral clay
History is never written
By those who've lost
The defeated must bear witness to
Our collective memory loss


Os Dead Can Dance nunca tinham actuado em Portugal
Apenas Brendan Perry o fez – a solo – em Março de 2010, em Lisboa (Santiago Alquimista) e Braga (Theatro Circo). Lisa Gerrard nunca tinha actuado em solo lusitano.
Havia pessoas que esperaram variadíssimos anos por esta ocasião. Houve quem viesse do estrangeiro para assistir ao concerto dos Dead Can Dance na Casa da Música no Porto. Gente vinda de Espanha, França e Suécia.
Do país, para além dos residentes locais da cidade invicta e arredores, havia pessoas que se tinham deslocado de Lisboa, Cascais, Braga, Guimarães, Coimbra, Guarda, Aveiro, etc.
Para muitos foi o chegar ao fim de uma espera de décadas. A digressão mundial realizada em 2005, o mais perto que esteve dos portugueses foi em Madrid.
Houve quem se comovesse de tão forte emoção. “Também choraste?”, perguntavam-se algumas das pessoas que se conheciam, ainda no interior da sala, decorridos escassos minutos após o fim do concerto. Parecia que ninguém queria sair dali de dentro. Foi necessário alguns dos funcionários pedirem para as pessoas abandonarem a magnífica sala Suggia, que encheu. Mais de 1.200 lugares lotados desde a manhã em que os bilhetes foram postos à venda (desapareceram num ápice nesse dia 2 de Março).
No foyer era uma procura imensa pelas t-shirts, posteres e CD’s que o staff da banda colocara à disposição para venda directa.
Já fora da casa de espectáculos, ainda na escadaria de acesso e nas imediações, o público permanecia à conversa, numa noite amena sem chuva e com uma Lua em fase de quarto crescente a ultrapassar algumas nuvens densas. Alguns fãs mais esperançosos juntavam-se à porta dos artistas na ânsia de chegar à fala com os protagonistas após tão arrebatador arroubo musical.
A parte europeia da digressão de «Anastasis» entrou agora na fase final. Londres na passada sexta-feira, e Dublin neste Domingo.
O regresso à capital do Reino Unido trinta anos depois de Lisa Gerrard e Brendan Perry terem aterrado no aeroporto de Heathrow, em 1982, vindos de uma Austrália onde não conseguiam obter o sucesso que procuravam. Seria em Londres (curiosamente a cidade natal de Brendan Perry) nesse dealbar da década de 80 do século passado que a dupla viria a alcançar a projecção que entretanto atingiu no contrato com a editora independente 4AD. Viviam-se os tempos da grande aventura alternativa discográfica, com projectos musicais de vanguarda. Os Dead Can Dance estiveram desde então na proa, fazendo deles a banda mais importante da editora fundada por Ivo Watts-Russel.
Hoje é o último concerto da actual digressão em solo europeu, na capital da Irlanda, país onde Brendan Perry vive há mais de vinte anos.
Seguir-se-à uma série de concertos na América do Norte, Central e do Sul. Depois, já em 2013, a Austrália, onde tudo começou há mais de trinta anos.
A etapa final da maior digressão de sempre dos Dead Can Dance está reservada para a Ásia, com datas no Japão em Fevereiro do próximo ano.
















I feel like I want to leave
Behind all these memories
And walk through that door
Outside
The black night calls my name
But all roads look the same
They lead nowhere


O alinhamento completo do concerto:

Children of the Sun [do álbum «Anastasis»]
Anabasis [do álbum «Anastasis»]
Rakim [do álbum ao vivo «Toward The Whitin», 1994]
Kiko [do álbum «Anastasis»]
Lamm Bada [canção tradicional árabe]
Agape [do álbum «Anastasis»]
Amnesia [do álbum «Anastasis»]
Sanvean [do álbum ao vivo «Toward The Whitin», 1994; Incluído no álbum «The Mirror Pool», disco a solo de Lisa Gerrard, 1995]
Nierika [do álbum «Spiritchaser», 1996]
Opium [do álbum «Anastasis»]
The Host of Seraphim [do album «The Serpent's Egg», 1989]
Ime Prezakias [canção tradicional grega]
Now We Are Free [da banda Sonora do filme «Gladiator»; disco de Lisa Gerrard e Hans Zimmer; 2000]
All in Good Time [do álbum «Anastasis»]

Primeiro encore:
The Ubiquitous Mr. Lovegrove [do album «Into the Labyrinth», 1993]
Dreams Made Flesh [do album «It’ll End in Tears»; disco do projecto multi-colectivo This Mortal Coil, 1984]

Segundo encore:
Song to the Siren [versão da canção de Tim Buckley]
Return of the She-King [do álbum «Anastasis»]

Terceiro encore:
Rising of the Moon [também conhecido por outros dois nomes: “Wandering Star” e “Minus Sanctus”; tema inédito levado a palco na digressão dos DCD em 2005]
















As you rise to the very top
Of your mountain
Just remember those
Poor lost souls
On their way down


Música que não passa na Rádio
Apesar dos Dead Can Dance serem uma ausência permanente na Rádio – onde em tempos ficaram conhecidos por parte de muitos dos presentes no concerto na Casa da Música – está mais do que provado que a falta de divulgação radiofónica da música que fazem é desnecessária para encherem salas e venderem muitos discos. Vive-se hoje em dia uma época completamente diferente dessa. É a Internet que faz o caminho deixado vago pela Rádio. E fá-lo das mais diversas formas. Quer seja em plataformas sonoras como o Soundcloud, o MySpace ou a partilha de ficheiros em formato MP3, FLAC, AAC (e outros), quer seja através da junção imagem/som do YouTube, ou das redes sociais como o Facebook ou o Twitter. A informação circula a uma velocidade vertiginosa via smartphone e os meios tradicionais (Rádio, TV, Jornais) estão cada vez mais à margem desta torrente digital.
Na Casa da Música, na noite do concerto dos Dead Can Dance, não estiveram presentes nem a Rádio nem a Televisão.
No entanto, nas horas imediatamente seguintes, já circulavam no ciberespaço imagens, sons, comentários e reacções ao que ali se tinha passado.
A dificuldade em classificar num género a música composta pelos Dead Can Dance não pode servir de desculpa para não passar na Rádio. Pelo contrário. É exactamente pelo ecletismo étnico que abarca, pela multi-culturalidade que exala e pelos tempos imemoriais que atravessa que teria na Rádio um meio privilegiado de difusão. E a Rádio, isto é, quem a ouve, agradeceria.
























Ficaram muitas pessoas a lamentar por não terem podido assistir ao concerto. Uma única data deixou muita gente de fora e de água na boca. Para muitos desses fãs, que esperam há tanto tempo por uma oportunidade de ver os Dead Can Dance ao vivo em Portugal, ainda não foi desta. Houvesse mais datas em Portugal e as salas encheriam na mesma, como têm enchido quase todas as que os Dead Can Dance visitaram até agora.
Pouco importa se seria no Porto, ou em Lisboa, Braga, ou Guimarães. A distância não é o problema maior para os apreciadores de longa data.
Resta agora a esperança de, segundo o próprio Brendan Perry afirmou em recente entrevista, haver em 2013 ou 2014 um novo álbum e depois, quem sabe em 2014 ou 2015 uma nova digressão mundial que passe por cá outra vez.
A imagem do álbum «Anastasis» dos Dead Can Dance mostra um campo de girassóis mortos, queimados pelo Sol. Um campo de girassóis mortos, mas de pé. A metáfora perfeita para a “ressurreição dos vivos”, como intitulou o jornal «i» na passada quarta-feira.













If I were not a physicist, I would probably be a musician. I often think in music. I live my daydreams in music. I see my life in terms of music.

Albert Einstein

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